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ENTREVISTA - FERNANDO LARA E HORIZONTES

 

ENTREVISTA - FERNANDO LARA E HORIZONTES

(Entrevista originalmente publicada no livro “Horizontes Arquitetura e Urbanismo I | Projetos de 2002 a 2017”, publicado em 2017 pelo LUA LAB Laboratório de Urbanismo Avançado e Nhamerica Plataforma)

Fernando Luiz Lara. Arquiteto graduado pela UFMG em 1993. PHD pela University of Michigan, EUA em 2001. Professor Titular da Escola de Arquitetura da UFMG e associado da University of Texas, EUA

Fernando Lara – Conte um pouco para os leitores sobre a história de vocês.

Marcelo Palhares Santiago – Estávamos todos na PUC, em períodos diferentes do curso, quando você chegou de Michigan para realizar um workshop, em 2000. Nós três participamos, eu estava em uma equipe diferente. No ano seguinte respondemos ao seu convite e fomos para Detroit participar do workshop lá na Lawrence Tech.

FL – Eu participei do inicio com os workshops, um na PUC em 2000 e outro em Detroit em 2001. Mas como vocês resolveram trabalhar juntos?

Gabriel Velloso da Rocha Pereira – O Marcelo começou o curso primeiro, depois eu. Depois o Felipe transferiu da engenharia para arquitetura. Nós nos conhecíamos de corredor e a primeira vez que trabalhamos juntos foi no seu workshop no ano 2000. Depois de Detroit resolvemos trabalhar juntos e fizemos algumas maratonas de estudantes (projetar em 24 horas, no caso para uma intervenção na Rua Guaicurus) e o concurso Caixa IAB de Habitação.

MPS – Assim fomos filtrando o grupo de trabalho. Antes disto eu tinha acabado de voltar de um intercâmbio na Iugoslávia. Então chamamos o Pedro Doyle e o Matheus para o concurso Caixa IAB. Foi a primeira vez que trabalhamos com habitação social, que acabou sendo a linha inicial da nossa atuação.

FL – Em algum momento vocês tomaram a decisão de fazer arquitetura pública. Vocês nunca quiseram fazer casas para a elite por exemplo?

Luiz Felipe de Farias – Nós chegamos a fazer várias casas. Mas ao mesmo tempo já desenvolvíamos projetos executivos mais complexos para outros arquitetos. Assim fomos nos capacitando para projetos de maior porte. Sempre acreditamos que a experiência de trabalhar para arquitetos mais experientes nos traria um conhecimento muito bom, e assim poderíamos fazer de tudo. Aos poucos, fomos nos envolvendo com projetos que envolviam sistemas construtivos mais elaborados, mais industrializados.

GV – No início fizemos algumas casas de médio e alto padrão, alguns projetos para os campis da PUC e tocamos obras, que foi uma experiência infeliz. Em 2004 participamos do projeto RUA – Residência em Arquitetura e Urbanismo, financiado pelo governo federal em convenio com as universidades (Programa Crédito Solidário). A PUC gerenciava 4 projetos e nós ficamos responsáveis pelo Santa Rosa 2. Os professores da PUC (arquitetos, sociólogos, assistentes sociais e advogados) atuaram como consultores do projeto e do processo participativo. As equipes tinham de ser compostas por recém-formados e nós escolhemos o Santa Rosa, que era o menor dos terrenos disponíveis. Neste projeto tivemos a primeira oportunidade de fazer um processo participativo, projetando com a comunidade.

FL – E de onde veio o know-how de trabalhar com o poder público?

MPS – Começa com o Santa Rosa 2, mas continua quando mudamos para a Rua Capivari, no bairro Serra. Tivemos, muita influência de um vizinho que eram um escritório de engenharia e nos orientou e incentivou a participar de licitações. O Santa Rosa nos mostrou como funcionava a secretaria municipal de habitação. Também desenvolvemos muitos projetos para construtoras e empresas de engenharia, que nos deram uma visão melhor de como organizar uma empresa de projetos.

FL – Nesta época como funcionava a Horizontes?

LFF – Todos fazíamos tudo, captação, comercial, projeto, financeiro, etc. Quem captava o cliente, coordenava o projeto. Todos participavam da concepção e desenvolvimento. Ao longo dos anos fomos percebendo que temos talentos diferentes e complementares. Um é mais técnico, outro mais comercial, outro organizacional. Aos poucos direcionamos a organização e gestão da empresa de acordo com o perfil de cada um.

GV – Também percebemos que para fazer boa arquitetura teríamos que centralizar nos arquitetos o controle dos projetos complementares: elétrico, hidráulico, estrutural, etc. Em 2005 tivemos contato com as obras do Vila Viva na Favela da Serra e começamos a trabalhar com as grandes construtoras que ganharam as obras. Tivemos que fazer arquitetura e gerenciar todas as engenharias.

MPS – Nas obras do Vila Viva, enquanto fazíamos projeto de implantação dos predinhos, conseguimos trabalhar áreas de lazer, através de desenhos na topografa, que chamávamos de áreas remanescentes, áreas residuais das implantações dos prédios. Nestes projetos era importante evitar grandes arrimos e utilizar mobiliários e equipamentos de concreto, evitando equipamentos de madeira e metal que são vandalizados e demandam muita manutenção. Depois disso, ganhamos os contratos para urbanizações em várias favelas: Campo do Cascalho (Morro das Pedras), Aglomerado da Serra e Pedreira Prado Lopes. Em 2009 fomos convidados pela PRAXIS para fazer um projeto de habitação e urbanização com foco participativo, na Vila Barraginha, em Contagem. Ali nós enfrentamos os desafio de fugir do projeto padrão e desenhar cada apartamento diferente para atender todos os diferentes arranjos familiares. Ali também conseguimos, pela primeira vez, projetar espaços de comércio junto com a habitação, apesar das limitações da Caixa Econômica que não financia nada além da habitação, nem área de lazer, nem espaços públicos.

FL – E os projetos institucionais que também são uma marca de vocês?

GV – Nós fazíamos concursos para satisfazer nossa necessidade de criação, mas percebemos que os concursos não davam retorno financeiro, principalmente porque queríamos ter uma empresa estruturada e duradoura. Percebemos que precisávamos de um portfolio de bons clientes e grandes contratos, ao invés de investir todo o tempo em concursos. Na crise de 2008/2009 fomos aprendendo a buscar projetos maiores, com escopo de projetos completos (arquitetura e engenharias). Na sequência fomos buscando contratos através de licitações em prefeituras de cidades pequenas.

MPS – Passamos a apresentar um portfolio de projetos (arquitetura + complementares) que é o que o cliente precisa. O cliente, seja púbico ou privado, quer solução completa, e não só arquitetura, que é o que a maioria dos escritórios oferece.

LFF – Também percebemos que nas prefeituras menores nós temos mais espaço para ajudar a definir escopo, propor conceitos. Na prefeitura pequena o poder vem de cima, mas quem é contratado tem acesso a quem toma decisões. Nas prefeituras maiores a gente fica espremido entre o poder de cima e os diversos pequenos poderes. O planejamento é mais difícil e o jogo de interesses e poderes acaba dificultando muito o trabalho.

GV – O contrato com a prefeitura de Juiz de Fora foi o grande salto em escala e em ousadia de arquitetura. Propusemos vários projetos, uma escola nova, uma creche diferente, além das intervenções em favelas. Depois, a prefeitura de Belo Horizonte fez uma licitação para equipamentos públicos e espaços culturais, que foi aberta duas vezes e não houve concorrentes. Neste caso a lei permite que o órgão contrate quem ele quiser. Nós fomos os escolhidos, pela excelência de um trabalho anterior, feito para o Zoológico. O importante em projetos públicos é viabilizar a obra com o máximo de qualidade espacial e construtiva, dentro de orçamentos limitados. É necessário um equilíbrio. Não adianta extrapolar criando obras extraordinárias, mas que o município não vai ter condição de executar ou de manter.

MPS – Neste contrato tivemos oportunidade de projetar grandes equipamentos como praças, museus, centros de eventos, além de importantes projetos de restauração de obras do Oscar Niemeyer (Casa do Baile e Cassino-Museu de Arte da Pampulha).

LFF – Hoje, começamos a ser procurados por prefeituras e pelas construtoras por conta destes projetos realizados com competência anteriormente.

FL – Quais foram as principais referências?

MPS – Nossa geração criticava muito o pós-modernismo mas a gente foi aos poucos entendendo a postura pós-moderna. A autenticidade do trabalho do Éolo Maia foi sempre uma importante referência, pelo desafio e coragem de propor algo diferente.

FL – Ele acreditava no desenho.

MPS – Principalmente nas obras dos anos 70, um nível de detalhamento impressionante.

GV – Não estamos interessados em discutir imagem, mas estratégia. Para ter a imagem moderna basta duas empenas e uma laje.

MPS – Sempre pensamos também no Herman Hertzberger e sua ideia de coeficiente de apropriação do espaço. Ele não foca o trabalho na imagem, ele trata a espacialidade. Isto serve tanto para projetos de alto orçamento quanto para as favelas.

GV – Isto não quer dizer que devemos transformar tudo em bancos e escadas apropriáveis. Não sabemos como o espaço vai ser apropriado, mas podemos facilitar esta apropriação.

MPS – Outra referencia importante é Jane Jacobs e sua ideia de tomar conta da rua.

GV – A visão da Jane Jacobs é importante, principalmente, nas obras públicas. A gente sempre esbarra na questão da manutenção e no vandalismo. O que não é resolvido pela sociedade pode ser resolvido pelo desenho de certa maneira, permitindo que as pessoas se sintam ‘donas’ do lugar.

MPS – Criar espaços visíveis, defensáveis é importante. Charles Correa também sempre foi uma referência importante neste sentido, desde o tempo de escola e depois quando o Fernando Lara trouxe ele para uma palestra em BH. Importante ver a pragmaticidade da arquitetura dele mesmo em um contexto completamente diferente. A arquitetura moderna também tem um peso muito grande na nossa atuação, principalmente pela influência de Niemeyer, Artigas e Lina Bo Bardi. Aqui em BH outra referência é o William Abdalla pela ousadia e pela intensidade com que ele projeta. Tivemos oportunidade de trabalhar com ele no inicio do escritório, e isso interferiu muito no nosso processo de projeto e nível de detalhamento.

FL – Como vocês fazem isto funcionar com o escritório atual com mais de 20 arquitetos.

GV – Anos atrás éramos só nos três fazendo tudo. Fazíamos tudo junto. O processo colaborativo foi influenciado pelos workshops que fizemos com o Fernando Lara na PUC e em Detroit. Com o escritório crescendo a gente ainda espera que nós três possamos participar da concepção. Mas agora os projetos são divididos em equipes, cada uma com um coordenador, arquitetos, estagiários e engenheiros consultores.

LFF – Mas nós três, sempre que possível, tentamos estar junto com as equipes nos momentos de discussões e concepção.

FL – Vocês acham que estas estratégias se traduzem numa estética ou não?

MPS – Não, acho que isto está sempre aberto.

GV – Temos em cada projeto o desenvolvimento de uma estratégia de intervenção no lugar que diz respeito a todos os condicionantes daquele projeto. Temos uma estratégia projetual, não um estilo ou uma imagem.

FL – Então a Horizontes é uma estratégia?

LFF – Sim, muito mais do que uma imagem.

MPS – Talvez daqui a 20 anos possamos olhar para trás e perceber uma imagem que amarre os projetos, mas nós não vemos, nem queremos ter isto hoje.

GV – O processo é muito aberto, os membros da equipe contribuem e trazem ideias que mudam completamente a concepção inicial colocada por um de nós três. Alguns projetos são inteiramente conduzidos pela equipe e nós só aprovamos. Isso gera uma diversidade muito grande no resultado.

MPS – Este processo funciona porque grande parte da nossa equipe é formada dentro da Horizontes. Isto é parte do nosso planejamento. Temos uma rotatividade muito baixa. Nós três tivemos experiência como professores. Contratamos muitos ex-alunos, que entraram como estagiários e continuaram como arquitetos. Sempre pensamos em formar o estagiário para que ele faça parte da equipe no futuro, e o crescimento
econômico dos últimos 5 anos nos permitiu manter esta estratégia. Os arquitetos que entram depois, acabam absorvendo nossa filosofia de trabalho. Também pensamos que não existe separação entre arquitetura e urbanismo, trabalhamos sempre os dois juntos. Edificação e cidade vem juntas na Horizontes.

FL – Tem um DNA da PUC ai não acham? A escola da PUC-Minas tinha o urbanismo como questão central.

LFF – Com certeza. A PUC conseguia equilibrar a importância das intervenções urbanas, projetos sociais e grandes projetos culturais ou comerciais. Foi uma formação bem plural.

FL – E a estrutura empresarial? Como funciona a Horizontes?

MPS – Aprendemos também a fazer arquitetura com uma estrutura empresarial. Um pouco das gerações anteriores viam a estrutura empresarial com desconfiança. Nós aprendemos que esta estrutura organizacional é necessária e tentamos mostrar que é possível fazer boa arquitetura com um nível avançado de profissionalismo e gestão.

GV – Nós temos uma empresa de projetos. A arquitetura é o carro chefe mas a empresa presta todo tipo de serviço de projetos.

MPS – Nós três nos especializamos em Gestão de Projetos de Engenharia. Esta visão global é importante, pois gerenciar e desenvolver internamente todos os projetos complementares de engenharia nos da um controle muito maior sobre o resultado da arquitetura.

FL – Como vocês separam a Horizontes de vocês três?

LFF – Cada vez menos Felipe, Gabriel e Marcelo. Acho que a ideia é que a Horizontes ande pelas próprias pernas e dependa cada vez menos de nós três. Este é o objetivo.

FL – O que vocês esperam para os próximos 10 anos?

GV – Eu quero ver uma empresa consolidada e fazendo trabalhos de qualidade. Já fazemos planos de funcionamento da empresa para um horizonte de 20 a 30 anos.

LFF – Queremos investir em algumas áreas mais técnicas, ter funcionários ou parceiros com mais profundidade no detalhamento técnico. É muito melhor ter o especialista desde a concepção porque o projeto sai melhor, sem precisar corrigir lá na frente.

MPS – Esperamos que municípios, estado e empreendedores particulares percebam a importância de investir na qualidade do espaço construído. A sociedade inteira ganhará com isso. Nosso papel é ajudar nessa conscientização, através de bons exemplos de projeto.