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A POLÊMICA LEI “TIMES SQUARE”

 

Debate Intenso: A Polêmica da Lei “Times Square” em Belo Horizonte

Ana Carolina Pereira Vaz é arquiteta e urbanista, perita judicial e diretora da Temporis Consultoria. Marcelo Palhares Santiago é arquiteto urbanista, especialista em Gestão de Projetos, fotógrafo do ARQBH e diretor da Horizontes Arquitetura. Ambos os escritórios são associados à AsBEA-MG.

A recente aprovação da Lei 911/24 pela Câmara Municipal de Belo Horizonte, conhecida como lei “Times Square”, gerou um intenso debate sobre o equilíbrio entre o desenvolvimento urbano e a preservação do patrimônio histórico e cultural da capitaTemporis Consultorial mineira.

O foco principal da proposta é a instalação de painéis publicitários luminosos na icônica Praça Sete, ideia inspirada na Times Square de Nova York. No entanto, a medida levanta preocupações acerca da preservação de um dos mais importantes conjuntos urbanos da cidade, que abriga diversas estruturas tombadas e protegidas por órgãos especializados.

A Times Square, ganhou esse nome em 1905, como homenagem ao edifício do jornal The New York Times. Nos primeiros anos, a praça tornou-se um ponto de atração popular, impulsionado pela diversidade de restaurantes, hotéis, teatros e, principalmente, pela sua função como centro de conexão de transporte público, conectando linhas de ônibus, metrô e trem elevado.

 

Times Square, New York, 1908

 

Após a crise de 1929, muitas empresas e moradores abandonaram a região em busca de imóveis mais acessíveis, resultando na desocupação de vários imóveis. A instalação de publicidade nas fachadas reforçou esta tendência, uma vez que o bloqueio da iluminação e ventilação naturais espantavam os locadores. Como consequência, os imóveis perderam valor e se tornaram menos atrativos. Entre 1929 e meados da década de 1980, a prostituição, uso de drogas e criminalidade na região aumentaram significativamente, acompanhadas pelo trânsito caótico e pelo aumento da poluição visual, resultante da proliferação de painéis publicitários. Neste período, a Times Square e seus painéis luminosos tornaram-se símbolos da decadência de Nova Iorque.

 

Times Square, New York, década de 1970

 

Ainda hoje, muitos prédios na Times Square têm andares vazios devido ao excesso de painéis publicitários. O edifício que deu nome à praça, por exemplo, foi totalmente coberto por painéis eletrônicos e está inteiramente desocupado desde a década de 1970.

 

Times Square, New York, 2020

 

O processo de recuperação da Times Square iniciou-se nos anos 1990, envolvendo investimentos para atrair cinemas, teatros, restaurantes e comércio de qualidade. A legislação urbanística passou a estimular a restauração de edifícios históricos e a construção de novos edifícios. Nos anos 2000, um esforço entre prefeitura e comerciantes promoveu a requalificação urbana da Times Square, promovendo a redução de espaço para veículos, implantação de ciclovias e aumento de áreas exclusivas para pedestres, ações que potencializaram o comércio e atraíram os turistas.

 

Times Square, New York, antes e depois das intervenções urbanísticas. Fotos: NYC DOT/Flick

Times Square, New York, antes e depois das intervenções urbanísticas. Foto: NACTO-GDCI

 

Times Square, New York. Idoso descansando em mesas públicas na calçada. Foto: NACTO-GDCI

 
 

Essa experiência evidencia que as características que tornaram a Times Square atraente foram sua qualidade urbanística, sua arquitetura, o comércio e as atividades culturais vibrantes, além do transporte público eficiente. Antes destas intervenções a praça não era um grande ponto de visitação turística.

A Praça Sete, por sua vez, é um marco da história de Belo Horizonte e abriga uma rica e diversa herança histórica. Projetada no plano urbanístico de Aarão Reis para a construção da nova capital, a Praça Sete carrega uma tradição arquitetônica que reflete diferentes movimentos estéticos, como ecletismo, art déco e modernismo. Suas esquinas são pontos de confluência de trajetos importantes e verdadeiros laboratórios de experimentação arquitetônica, com exemplares icônicos que ilustram essas correntes.

Entre os principais edifícios que compõem este cenário estão o UAI Praça Sete (Banco Hipotecário e Agrícola, projeto de 1922, pelo arquiteto italiano Luiz Olivieri), Cine Theatro Brasil (projeto de 1932, pelo arquiteto mineiro Ângelo Murgel), P7 Criativo (Banco Mineiro da Produção, projeto de Oscar Niemeyer, 1953) e o monumento Pirulito da Praça Sete (1924), todos protegidos pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte e pelo IEPHA-MG.

Além destes, o Edifício Clemente Faria (antigo Banco da Lavoura, projetado em 1946 pelo arquiteto Álvaro Vital Brasil) e o Brasil Palace Hotel (projetado em 1941 pelo arquiteto mineiro Luiz Pinto Coelho) também são protegidos por tombamento municipal. O edifício Helena Passig (1953, projeto do mineiro Raphael Hardy Filho), embora não tombado, possui registro documental, o que assegura a preservação de sua importância cultural.

 

Edifícios tombados na Praça Sete. Fotos: Marcelo Palhares Santiago (ARQBH)

 

Belo Horizonte conta com uma legislação robusta em defesa de seu patrimônio cultural. O Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte, criado em 1986, desempenha um papel fundamental na proteção e valorização dos bens culturais da cidade, incluindo conjuntos urbanos, edificações e monumentos históricos. Entre suas conquistas, destaca-se a deliberação pela proteção do Conjunto Urbano da Avenida Afonso Pena, que inclui a Praça Sete.

Em 2022, o conselho aprovou a Deliberação nº 025/2022, que estabeleceu diretrizes rigorosas para a instalação de engenhos publicitários em áreas protegidas, especialmente em bens tombados. Essa normativa impede a execução de painéis luminosos em locais como a Praça Sete, uma vez que os impactos visuais e a alteração da paisagem urbana podem comprometer a preservação da história e estética do local além de comprometer a integridade física dos edifícios.

Este conjunto de leis refletem a preocupação com a identidade da cidade, resguardando as características que a tornaram reconhecível e que representam a memória coletiva da população belorizontina.

Além das questões técnicas relacionadas ao patrimônio cultural, juristas identificam dois obstáculos legais que podem ser cruciais neste caso. O primeiro é o Princípio da Vedação ao Retrocesso, que proíbe, após o reconhecimento de um bem como de interesse de preservação, a redução ou a retirada de sua proteção. Ou seja, uma vez protegido, o bem não pode ser negligenciado ou sofrer intervenções que comprometam sua integridade, pois a sua preservação é um compromisso com as gerações futuras. O segundo obstáculo refere-se a um possível vício de inconstitucionalidade na Lei Municipal 911/2024, uma vez que a proteção dos bens culturais, por meio do tombamento, não se dá apenas no âmbito municipal, mas também no nível estadual.

Embora o desenvolvimento urbano e econômico seja importante, é essencial que esses interesses não se sobreponham à necessidade de proteger a cultura e a memória histórica da cidade.

A Praça Sete e suas imediações não são apenas um centro comercial ou um ponto de passagem; elas carregam um significado profundo para os habitantes de Belo Horizonte, sendo testemunhas da transformação da cidade ao longo dos anos. A preservação desses espaços não se resume a uma questão estética, mas também à manutenção da identidade cultural. Qualquer intervenção nessa área deve ser cuidadosamente planejada, levando em consideração a opinião dos órgãos reguladores e especialistas em preservação.

A cidade pode ser modernizada com soluções inovadoras que equilibrem desenvolvimento econômico e preservação do patrimônio, mas com uma abordagem mais sensível às características históricas e culturais de Belo Horizonte. Essas iniciativas podem abordar soluções já testadas com sucesso em outros países como aumentar a oferta de moradia, ocupação de prédios antigos para novos usos, restauração de edifícios históricos, mobilidade (ônibus e metrô), ciclovias, redução do tráfego de veículos e ampliação de áreas exclusivas para pedestres. Em vez de permitir a instalação de painéis publicitários luminosos, podem ser exploradas alternativas que respeitem o contexto arquitetônico da cidade como iluminação cênica para destacar os edifícios históricos, sinalizações discretas e melhoria da iluminação das calçadas.

Além disso, é essencial a realização de consultas públicas, envolvendo a sociedade e arquitetos urbanistas, profissionais especialistas em patrimônio cultural e paisagem urbana. Essa abordagem garantirá que as decisões sejam democráticas e bem fundamentadas. O Conselho de Patrimônio Cultural, juntamente com órgãos regulatórios como o IEPHA-MG e a Prefeitura de Belo Horizonte, junto com associações e instituições profissionais como a AsBEA-MG, IAB-MG e CAU-MG, devem ser consultados para garantir que todas as intervenções na Praça Sete e no centro de Belo Horizonte sigam as melhores práticas urbanísticas e estejam em conformidade com a legislação de proteção ao patrimônio.

 

Praça Sete. Fotos: Adilmargs

 

A Lei 911/24 e sua proposta de flexibilização das regras do Plano Diretor para permitir a instalação de publicidades luminosas na Praça Sete traz à tona um dilema entre o desenvolvimento econômico e preservação da identidade cultural de Belo Horizonte. Dada a importância histórica e arquitetônica da área, é imprescindível que as decisões sobre intervenções nesse espaço respeitam a legislação de proteção ao patrimônio e envolvam uma análise cuidadosa dos impactos na paisagem urbana e na memória coletiva da cidade. Soluções inovadoras e integradas podem ser desenvolvidas, mas o respeito à história e à cultura de Belo Horizonte deve ser sempre prioritário.


 
Marcelo SantiagoComment