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O BRUTALISMO ESTÁ EM ALTA

 

O Brutalismo: Uma Jornada da Europa Pós-Guerra ao Brasil Contemporâneo

Marcelo Palhares Santiago é arquiteto urbanista, especialista em Gestão de Projetos, fotógrafo do ARQBH e diretor da Horizontes Arquitetura

Com o lançamento do filme O Brutalista, o estilo arquitetônico que marcou o século XX volta ao centro das discussões. Mas qual é a história por trás dessa linguagem que desafia convenções e divide opiniões?

Após a Segunda Guerra Mundial, a Europa enfrentava uma urgente necessidade de construção em grande escala, especialmente entre 1945 e o fim da década de 1950. Casas, hospitais e escolas tornaram-se grandes oportunidades para a atuação dos arquitetos. Devido à urgência de reconstrução, a maioria das construções foi realizada da maneira mais econômica possível, resultando em edifícios sem personalidade, compostos por blocos monolíticos baratos e repetitivos, distribuídos pelas vastas áreas que haviam sido devastadas. Não havia preocupação em estabelecer uma conexão entre edifícios e a rua ou em criar um aspecto urbano atrativo.

 

Khrushev’s Prefab, Moscow ©Novosti

 

Foi nesse contexto que o casal de arquitetos londrinos Alison e Peter Smithson surgiu como voz dissonante, se opondo a essa abordagem racionalista de construção em massa e buscando revitalizar o conceito de cultura da rua. Inspirados pela ousadia de Le Corbusier — especialmente em obras como a Unité d’Habitation em Marselha e os edifícios de Chandigarh, na Índia, propuseram uma arquitetura mais plástica e escultórica, empregando materiais, especialmente o concreto, em sua forma bruta e aparente, sem qualquer revestimento, às vezes com um toque rude. O resultado foi uma obra ousada e radical, que buscava ser mais acolhedora e harmoniosa com a rua e a vizinhança, em contraste com a produção da época. Contudo, esses projetos também eram polêmicos e possuíam uma aparência opressiva.

Unité d'habitation, Marselha, França. Projeto de Le Corbusier. Foto: Fred Romero (Wiki Commons)

Palácio da Justiça, Chandigarh, India. Projeto de Le Corbusier. Foto: Sanyam Bahga (Wiki Commons)

O crítico Reyner Banham batizou essa abordagem de Novo Brutalismo, termo derivado do francês béton brut (concreto bruto). Em 1956, uma exposição em Londres, organizada por Theo Crosby, reuniu obras de músicos, pintores, fotógrafos e arquitetos que compartilhavam a mesma visão: retratar as cidades em sua essência crua, sem adornos. A exposição mostrava as origens do brutalismo, estilo que emergiu como uma reação ao uso excessivo de materiais industrializados e à uniformidade dos projetos da reconstrução da europa. A arquitetura brutalista buscava uma linguagem genuína, que valorizasse a "verdade estrutural" e a expressão dos materiais em seu estado bruto. O uso do concreto cru pode ser interpretado como um reflexo das vivências estéticas e emocionais que estes arquitetos tiveram durante a guerra, testemunhando suas cidades e edifícios devastados pelas bombas. O movimento rapidamente se espalhou pela Europa, especialmente na Inglaterra, França e União Soviética, entre as décadas de 1950 e 1960, tornando-se símbolo de uma arquitetura que não escondia suas cicatrizes.

The Economist Building. Londres, Inglaterra. Projeto de Alison e Peter Smithson. Foto: seier+seier (Wiki Commons)

The Economist Building, Londres, Inglaterra. Projeto de Alison e Peter Smithson. Foto: seier+seier (Wiki Commons)

Do Velho ao Novo Mundo: O Brutalismo no Brasil

Enquanto a Europa via no concreto um reflexo da reconstrução, o Brasil encontrou nele uma ferramenta para construir sua identidade. O país, em pleno desenvolvimento, abraçou o brutalismo não apenas pela grande disponibilidade do concreto armado, mas também por sua capacidade de expressar monumentalidade e força, valores alinhados ao projeto de modernização nacional.

O modernismo brasileiro, já consagrado por obras como o Edifício Capanema e o Conjunto da Pampulha, deu os primeiros passos rumo ao brutalismo com o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, projetado por Afonso Eduardo Reidy e inaugurado em 1955. Na década de 1960 o movimento ganhou força, impulsionado pela construção de Brasília onde Oscar Niemeyer projetou o Palácio do Itaramaty e o Palácio da Justiça inteiramente em concreto.

MAM Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Projeto: Affonso Eduardo Reidy. Foto: Halley Pacheco de Oliveira (Wiki Commons)

Palácio do Itamaraty, Brasília, Brasil. Projeto: Oscar Niemeyer. Foto: Sintegrity (Wiki Commons)

O brutalismo rapidamente se tornou um dos estilos predominantes do Brasil nas décadas de 1960 e 70. Alguns dos mais importantes arquitetos brasileiros do século XX são referência de arquitetura brutalista: Lina Bo Bardi (MASP e Sesc Pompeia), João Batista Vilanova Artigas (FAU USP e Morumbi) e Paulo Mendes da Rocha (Museu Brasileiro da Escultura).

MASP Museu de Arte de São Paulo, São Paulo. Projeto: Lina Bo Bardi. Foto: Wilfredor (Wiki Commons)

FAU USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), São Paulo. Projeto: Vilanova Artigas. Foto: Mike Peel (Wiki Commons)

Sesc Pompéia, São Paulo. Projeto: Lina Bo Bardi. Foto: Paulisson Miura (Wiki Commons)

MUBE (Museu Brasileiro da Escultura), São Paulo. Projeto: Paulo Mendes da Rocha. Foto: Paulisson Miura (Wiki Commons)

Em Belo Horizonte, a arquitetura brutalista floresceu nas mãos de talentos como Eduardo Guimarães Jr., Éolo Maia, William Abdalla e Fernando Graça, dentre outros. Edifícios como o BDMG, projetado por William Abdalla, Márcio Pinto de Barros e Marcus Vinícius Rios Meyer, e a Rodoviária, obra coletiva de arquitetos como Walter Machado e Fernando Graça, são marcos que utilizam o concreto como elemento principal da arquitetura. O Mineirão, projeto dos arquitetos Eduardo Guimarães Jr. e Gaspar Garreto exemplifica como o concreto pode ser moldado em formas escultóricas, contrastando com a rigidez dos blocos pós-guerra europeus. A arquitetura contemporânea segue explorando a força brutalista do concreto aparente como na Galeria Lygia Pape no Inhotim, Brumadinho, projetada pelos arquitetos Thomaz Regatos e Maria Paz.

Caixa Econômica Estadual. Projeto: José Júlio de Sá Taboada. Foto: Marcelo Palhares Santiago (ARQBH)

Interior da escada do Edifício Tinguá. Projeto: Éolo Maia. Foto: Marcelo Palhares Santiago (ARQBH)

CAA OAB Caixa de assistência dos Advogados de MG, Belo Horizonte. Projeto: José Carlos Laender de Castro e Roberto Pinto Manata. Foto: Marcelo Palhares Santiago (ARQBH)

Rodoviária. Projeto: Walter Machado, Fernando Graça, Francisco Espírito Santo, Luciano Passini, Suzy de Mello, Mario Berti, Marina Wasner, Ronaldo Mazotti, Raul Cunha e Mardônio Guimarães. Foto: Marcelo Palhares Santiago (ARQBH)

BDMG. Projeto: Márcio Pinto de Barros, Marcus Vinícius Rios Meyer e William Ramos Abdalla. Marcelo Palhares Santiago (ARQBH)

Mineirinho, Belo Horizonte. Projeto: Francisco Abel Magalhães e Richard Lima. Foto: Foto: Marcelo Palhares Santiago (ARQBH)

Mineirão, Belo Horizonte. Projeto: Eduardo Mendes Guimarães Jr. e Gaspar Ferdinando Garreto. Foto: Marcelo Palhares Santiago (ARQBH)

Galeria Lygia Pape, Inhotim, Brumadinho. Projeto: Thomaz Regatos e Maria Paz. Foto: Leonardo Finotti

Entre a Crítica e o Legado
O Brutalismo é um estilo controverso. Por um lado, é admirado por sua força escultural e honestidade material; por outro, é criticado por sua aparência, muitas vezes, opressiva. Ainda assim, muitas de suas obras se tornaram ícones da arquitetura moderna, influenciando gerações de arquitetos e sendo reinterpretadas na contemporaneidade. Hoje, o resgate do Brutalismo em produções culturais como O Brutalista reacende o debate: como preservar e valorizar esses edifícios sem romantizar seu contexto histórico?