O QUE É CO-LIVING?
Setembro de 2018
Horizontes Arquitetura e Urbanismo (Luiz Felipe de Farias, Gabriel Velloso da Rocha Pereira e Marcelo Palhares Santiago)
O QUE É CO-LIVING?
Co-living é um termo em inglês que vem sendo muito aplicado em empreendimentos do mercado imobiliário brasileiro. Mas, afinal, o que é Co-linving? O termo co-living, traduzido literalmente, significa convivência ou comunidade. O ser humano vive em grupos há milhares de anos. As primeiras vilas e cidades surgiram há aproximadamente 10 mil anos ao redor de áreas de plantio (revolução agrícola), dos centros comerciais e de vilas militares. Posteriormente, os edifícios de apartamentos surgiram como resultado da vontade humana de se concentrar, aproximando e compartilhando espaços e serviços. Esta busca pelo adensamento ocorreu porque viver em cidades aproximava o cidadão de todos as necessidades da vida diária: saúde, educação, trabalho, etc. A facilidade de troca de serviços e mercadorias propiciada pelas cidades transformou esse ‘ajuntamento’ de pessoas no maior combustível para o crescimento das economias e da riqueza cultural dos povos.
Mas, se as cidades e edifícios nasceram do conceito de convivência, o que há de novo no termo co-living? Hotéis, albergues, repúblicas, pousadas, já existem há milênios com o conceito de compartilhar serviços e espaços. O termo co-living seria simplesmente uma moda, uma apropriação sem sentido de termos estrangeiros por jovens descolados que querem se diferenciar do restante da população? Antes de projetar um edifício utilizando termos “da moda” é importante tentar entender o que realmente existe de novo neste conceito.
Na história da arquitetura recente (últimos 100 anos), o conceito de compartilhar funções em um mesmo edifício não é novo. Em meados do século XX, logo após a segunda grande guerra, houve uma corrida para reconstruir as cidades europeias devastadas. Como a demanda por habitação era enorme, para atender o grande número de desabrigados, desenvolveu-se o conceito de habitações mínimas, apartamentos minúsculos com o mínimo espaço para ‘sobrevivência’. Os espaços compartilhados supririam as carências dos mini-apartamentos, e os edifícios ofertavam vários espaços comuns para compartilhamento: lavanderias; cozinhas, salas comunitárias para reuniões, espaços de lazer e outros. Isso gerou reflexos na arquitetura mundial. O movimento moderno expandiu o que era uma demanda urgente do pós-guerra, transformando a tipologia de edifícios verticais, com usos variados, em um conceito utópico de futuro. Um dos principais exemplos deste conceito foi a Unité de Habitacion Marseilles, projetado pelo arquiteto francês Le Corbusier e construído entre o fim da década de 1940 e o início de 1950. Le Corbusier almejava um futuro em que cada edifício funcionasse como uma cidade autônoma, autossuficiente, concentrando todos as atividades necessárias para a vida em um só local. A Unité de Habitacion de Marseilles era formada por variados tipos de apartamentos residenciais, um hotel, além de vários espaços compartilhados como: bar/restaurante, lavanderia, posto de atendimento médico, berçário, creche, salas de estudo, salas de reunião/trabalho, centro de convivência de jovens, na área de lazer tinha pista de caminhada, são de festa, academia de ginástica, playground infantil, garagens, etc.
O Brasil absorveu a novidade, repetindo o exemplo em edifícios que se tornaram ícones da arquitetura brasileira como o Conjunto JK em Belo Horizonte e o Conjunto Nacional em São Paulo. Ambos pretendiam resolver em um único edifício toda a complexidade de uma cidade. Tanto o JK quanto o Conjunto nacional repetiram a máxima da autossuficiência e ofereceram aos seus moradores uma infinidade de serviços compartilhados: residências, hotel, lavanderias, garagens, museu de arte, teatro, boate, quadras de esporte, salão de festas, centro comercial, escritórios, padaria, açougue, bares/restaurantes, etc.
Porque as ideias destes dois importantes exemplos brasileiros não foram integralmente absorvidas pelo restante dos edifícios construídos pelo mercado imobiliário tradicional? Estes grandes conjuntos vendiam o conceito de liberdade, mas o resultado é que ofereciam o isolamento. É difícil imaginar que alguém suportaria a monotonia de satisfazer todas as vontades da vida sem sair de um mesmo edifício. Imagine ter os momentos de lazer e descanso no mesmo edifício onde se trabalha, faz compras? A possibilidade de conhecer novas pessoas é mínima. Isso vai contra a própria ideia de sociedade e da cidade que é propiciar o encontro, pois a vida acontece nas calçadas e não em corredores fechados de um edifício. Analisando hoje, com distanciamento histórico, este conceito parece ingênuo. O mercado imobiliário adaptou a proposta modernista para dois novos modelos, ignorando a intenção social e atendendo às demandas da população rica, que querem aproveitar as benesses de trabalhar e estudar na cidade mas, ao mesmo tempo, querem manter ‘privilégios’ de moradia individualizada e isolada. Surgiram então os grandes condomínios verticais exclusivamente residências, com suas grandes áreas de lazer e os loteamentos com casas de alto padrão com áreas de lazer e convívio exclusivas.
Hoje, é irônico ver anúncios publicitários de empreendimentos que continuam repetindo a máxima modernista de resolver todos os problemas da vida, ‘sem sair do bairro’, ‘trabalhando e vivendo’ em um lugar que tem tudo, um paraíso. É uma ilusão! É um isolamento fantasiado com discurso publicitário. Não é à toa que importantes loteamentos recentes fracassaram, pois, as pessoas buscam o conforto ilusório da privacidade, mas acabam se frustrando com o tempo gasto em excessivos deslocamentos.
O Co-living talvez seja uma leitura da cidade contrária a este conceito de isolamento proposto pelos condomínios. As gerações mais novas seguem padrões de vida totalmente diferente de seus pais. São jovens que não querem gastar horas diárias presos em engarrafamentos, valorizam a simplicidade, a redução do consumo, sustentabilidade econômica, eficiência energética, o trabalho colaborativo, a liberdade sexual e, principalmente, a possibilidade de não se fixar e poder ser cidadão do mundo. Este público, em breve, terá poder aquisitivo para investir em moradia e formarão as novas famílias do futuro, influenciando o desenho das cidades e de seus edifícios. O reflexo disso na arquitetura será o desenho de edifícios integrados com a cidade, com serviços compartilhados que atendam aos seus moradores, mas também aos vizinhos, criando uma rede colaborativa entre edifícios e cidade. Não existe a pretensão modernista de resolver os problemas do mundo em um único edifício. Compartilhar os recursos já existentes na cidade é mais importante e sustentável do que criar recursos exclusivos.
Entendemos que podemos aplicar o termo Co-living em edifícios que usem tecnologias que permitam a otimização do uso dos seus recursos. Os sistemas digitais e aplicativos têm capacidade de potencializar o uso dos recursos de um edifício, permitindo que espaços não fiquem ociosos, que recursos estejam sempre disponíveis e, principalmente, ajudando a gerar renda para o condomínio e talvez até oportunidade de trabalho para seus moradores.
Algumas possibilidades de recursos que vemos aplicadas a um edifício Co-living (muitas já existentes em outros edifícios brasileiros):
Aluguel de vagas de garagem nos horários ociosos através de aplicativos similares ao airbnb;
Carro e bicicletas do Co-living, compartilhado pelos moradores através de controle por aplicativos;
Estacionamentos que permitam outros usos;
Lavanderia compartilhada;
Espaço de trabalho que pode ser alugado para moradores ou pessoas externas no sistema coworking;
Unidades residenciais do condomínio, liberada para receber visitas, e aluguel em sistemas como o airbnb;
Etc;
Outra transformação já em andamento é a forma de comercialização do espaço pelas construtoras. O Mercado / economia mundial de imóveis está tendendo para modelo centrado no aluguel. Os jovens não querem investir o dinheiro/trabalho de uma vida em um imóvel.
Isso quer dizer que o futuro das construtoras vai mudar de vendedoras que se desfazem do seu produto, para gerenciadoras de ativos. O grande negócio para as construtoras será manter um rol de imóveis e gerenciar a ocupação destes espaços através de aluguel, sistemas de compartilhamento de espaços e outros modelos de negócio. Os edifícios tendem a ser construídos com maior qualidade e melhores materiais de construção e, consequentemente, mais bonitos. Como as construtoras não vão se desfazer do produto, terão a responsabilidade de manter este ativo bem conservado, e bonito, pois serão eternamente um espelho da imagem da empresa. Enfim, o Co-living do futuro permitirá uma vida conectada mas ao mesmo tempo mais simples, com mais prazer e menos luxo.