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HORIZONTES, HABITAÇÃO E ESPAÇO PÚBLICO

 

Fernando Luiz Lara. Gabriel Velloso da Rocha Pereira, Luiz Felipe de Farias e Marcelo Palhares Santiago.

A Horizontes se pauta pelos mais altos padrões de desenho na esperança de contribuir para a melhoria efetiva dos espaços urbanos brasileiros. No momento em que os recursos para obras de infra-estrutura aumentam na proporção do momento econômico, torna-se fundamental saber investir bem, construir espaços duráveis e de qualidade. Com diversos prêmios recebidos e publicações pelo mundo a fora a Horizontes se orgulha de ser uma referência em projeto de espaços públicos em Minas Gerais.

Criado em 2002, a Horizontes tem desde o início um compromisso com a causa pública. Enquanto a maioria dos nossos colegas sonhavam em projetar uma casa para um cliente rico em um condomínio fechado, os arquitetos da Horizontes sonhavam em melhorar a qualidade da cidade em todas suas faces, com a intenção da apropriação pelas pessoas que mais necessitam de espaço, e espaço de qualidade.

Um dos primeiros trabalhos da Horizontes foi um projeto participativo com uma cooperativa de moradores: o conjunto Santa Rosa 2. Depois vieram os projetos para o Vila Viva nas favelas da Serra, Prado Lopez e Morro das Pedras. Em seguida os trabalhos de urbanização de favelas e projetos de museus, universidades, escolas, centros culturais, creches e postos de saúde em Belo Horizonte, Contagem e Juiz de Fora.

Nesta trajetória de 13 anos a história da Horizontes se confunde com a história dos processos participativos, implementados em Belo Horizonte desde 1993 mas elevados a uma escala maior depois do Plano PAC de 2005. Ao mesmo tempo, a Horizontes acumulou uma significativa experiência em projetos institucionais, projetando entre outros a sede da PUC TV-Minas (2006), o Terminal Rodoviário de Vespasiano (2011), sede da Fundação Zoobotânica (2011/2015), Restauração do Museu de Arte da Pampulha (2012), Reforma da Casa do Baile (2012), Anexo do Museu de Arte da Pampulha (2012), Pavilhão esportivo do Minas Tênis Náutico Clube (2013) e Ampliação do Colégio Arnaldo (2015).

Sempre se balizando pela responsabilidade técnica em paralelo com a valorização da participação como forma integrante do processo de melhoria do ambiente construído, a Horizontes acumula uma série de prêmios dentre os quais se destacam os nacionais Premio Caixa IAB (2006) com um projeto de habitação social, os prêmios do IAB-MG em 2009 com Pedreira Prado Lopes em 2010 com Conjunto Habitacional da Via do Bicão em 2011; e exposições internacionais (Coréia 2009).

1- CONJUNTO SANTA ROSA 2

O conjunto Santa Rosa 2, em Belo Horizonte, é um projeto que trata de um dos grandes desafios brasileiros na atualidade: a superação do déficit habitacional que afeta principalmente as populações de baixa renda. Tradicionalmente os órgãos governamentais tratam do problema com projetos padronizados, repetidos infinitamente independente do local e das características das famílias que vão habitá-lo. Estes conjuntos públicos são construídos com padrões pré-definidos de espaço, de dimensões, de revestimento e freqüentemente com baixa qualidade arquitetônica. Estes conjuntos são, geralmente, construídos distantes dos grandes centros, em regiões periféricas com infra-estrutura precária, sem espaços comerciais, sem opções de trabalho próximas, sem serviços públicos básicos (saúde, segurança e educação) e sem espaços de lazer. A falta de relação afetiva da população com estes conjuntos e seus bairros, aliada à falta dos serviços urbanos que caracterizam uma boa cidade são responsáveis pelo estado de abandono, degradação e criminalidade que costumam se desenvolver nestes lugares.

O Conjunto Santa Rosa 2 é parte de uma nova política de atuação que visa tratar o déficit habitacional de uma nova maneira, tirando o controle total do poder público e repartindo o controle do processo com a população através de um programa de autogestão. Neste processo as associações comunitárias têm espaço para manifestar suas reais expectativas, necessidades e sonhos. Além disso, a comunidade é preparada para que ela própria gerencie todos os recursos e o processo de decisão e produção dos edifícios. O conjunto foi projetado dentro do conceito de autogestão e será construído em Belo Horizonte no bairro São Francisco. O terreno que foi doado pela prefeitura fica num bairro urbanizado, central e com toda infra-estrutura de serviços necessária. O conjunto atenderia a um grupo de 50 famílias que já participavam do processo de planejamento do projeto e ainda participarão da etapa de execução que será feita em regime de mutirão.

O objetivo do programa foi fazer um projeto diferenciado do tradicional, num sistema participativo, mantendo contato direto e constante entre comunidade, equipe técnica e órgãos públicos através do trabalho técnico social. As diretrizes e a forma de trabalho definidas pelo programa criam condições para que se enfrente o desafio de superação do déficit habitacional personalizado às necessidades reais de seus moradores.

Dentre os objetivos do processo de trabalho destacam-se: 1. Propiciar a participação da população no processo de discussão, implementação e avaliação dos projetos; 2. Contribuir com a divisão de renda e inclusão social (propicia oportunidade da compra da casa própria); 3. Promover acesso à terra e à moradia digna para os habitantes da cidade; 4. Utilizar processos tecnológicos que garantam maior qualidade e menor custo da habitação; 5. Utilizar formas de atuação que propiciem geração de emprego e renda; 6. Oferecer o serviço de arquitetura à população de baixa renda Contexto Institucional: O gerenciamento do programa se deu através da parceria entre diversos profissionais e várias entidades governamentais e não governamentais. A participação pública foi através do Governo Federal e da Prefeitura de Belo Horizonte. O governo federal participou através do programa Crédito Solidário que foi lançado pelo Ministério das Cidades e é dirigido às famílias que ganham de zero a cinco salários-mínimos, organizadas em cooperativas e associações habitacionais. O financiamento é através da Caixa Econômica com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social. Cada família pode tomar até R$ 20 mil de empréstimo e financiar a quantia em até 240 meses, sem juros. A participação da PBH (Prefeitura Municipal de Belo Horizonte) é viabilizada através de um convênio firmado com a PUC Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais). PBH e PUC atuam como agentes executores e organizadores do processo e fornecem apoio técnico. A prefeitura cedeu o terreno e viabilizou o pagamento dos projetos arquitetônico e complementares (estrutura, hidrosanitário, elétrico).O apoio da PUC Minas foi oferecido através do Serviço de Engenharia e Arquitetura Públicas da universidade. Este serviço é constituído por um conjunto de ações destinadas à promoção de assistência técnica e jurídica para projetos urbanísticos, projetos de arquitetura, construção de edificações e regularização urbanística de imóveis a preços acessíveis à população de baixa renda.

Desta forma o Programa de Arquitetura e Engenharia Públicas ofereceu ao projeto assessoria técnica e consultorias de Arquitetos Urbanistas, assistência jurídica, assistência social além de equipamentos e locais para reuniões. O gerenciamento de todo o processo é feito pela UEMP (União Estadual por Moradia Popular), uma associação de moradores de bairros carentes. O movimento popular organizado gerencia todo o processo de produção do programa habitacional, desde a seleção das famílias beneficiadas até o gerenciamento dos recursos da obra.

Equipe Técnica: No processo de trabalho foi necessário preparar as famílias a entender fatores essenciais do projeto, desde conceitos técnicos da edificação até conceitos sociais de relações de convívio e gestão do empreendimento. Para prepará-los em assuntos tão diversos foi essencial o suporte de uma equipe multidisciplinar que possibilitou reduzir as distâncias e convocar os moradores à participação. A equipe técnica foi formada por arquitetos, assistente social (que foram selecionados entre egressos da PUC Minas) e duas representantes da UEMP (União Estadual por Moradia Popular). O trabalho contou com a coordenação de professores da PUC (arquitetos e assistentes sociais) e ainda com consultorias de arquitetura, psicologia e jurídica. A reflexão destes diversos profissionais resultou num trabalho e num projeto mais rico além de um processo mais eficiente.

Processo e dinâmicas: A principal característica que diferencia este trabalho de um conjunto habitacional tradicional é a autogestão. Autogestão é definida como a forma de gestão que promove a participação direta dos futuros moradores na elaboração e no gerenciamento dos projetos. Este sistema propicia um resultado de melhor qualidade arquitetônica e tecnológica em comparação com as habitações viabilizadas pelas empreiteiras quem tem o lucro como objetivo principal.

No processo participativo utilizado no trabalho, as famílias da associação foram recebidas diretamente pelos arquitetos. Esta relação contribuiu para a elevar a autoestima da comunidade que se sentiu privilegiada por ter sua casa projetada por arquitetos. Durante um período de 4 meses foram feitas reuniões semanais reunindo 1 representante de cada uma das 50 famílias além da equipe técnico social (arquitetos e assistente social) discutindo profundamente quais eram as necessidades e anseios da comunidade. Durante estas reuniões foram utilizadas técnicas de grupo (dinâmicas) para promover a participação das famílias. As dinâmicas, desenvolvidas pela equipe técnica, consistiram em procedimentos interpretativos que garantiram a oportunidade de ouvir todos os envolvidos, além de prepará-los no entendimento de conceitos como: - qualidade espacial e ambiental de uma casa; - sistemas construtivos e materiais de construção; - leitura e entendimento de projeto arquitetônico; - conceito de propriedade; - relação de vizinhança (convenção condomínio); - relações de trabalho e cidadania; - condicionantes legais e financeiros do projeto; - canteiro de obra e gestão da obra.

As respostas obtidas através destes exercícios resultaram em interferências diretas no projeto arquitetônico, além de soluções que resultaram na convenção de condomínio. Outro fator importante foi a utilização de apresentações gráficas no computador. Além de facilitar o entendimento de projeto, estes exercícios ajudaram na inserção desta população no mundo digital.

Projeto: O Conjunto Santa Rosa 2 será construído no sistema de alvenaria estrutural. A opção por este sistema é por ser um material com alto desenvolvimento tecnológico, padronizado, modular, que facilita a obra e diminui os custos. O fato de necessitar de mão de obra especializada é tratado como um fator positivo, ao contrário da construção tradicional que valoriza o trabalho não especializado. A mão de obra especializada diminui os custos da obra, pois reduz o tempo da construção, reduz o desperdício e consumo de material, dispensa o uso de fôrmas, utiliza menos aço e permite acabamentos de menor espessura entre outras vantagens. Os mutirantes que construirão as casas em regime de mutirão serão capacitados para trabalhar com alvenaria estrutural. Este treinamento será uma oportunidade de capacitá-los como profissionais especializados para o mercado da construção civil.

Além da alvenaria estrutural, outras soluções foram encontradas para reduzir custos. As cozinhas serão abertas diretamente para a sala através de um balcão, reduzindo a área de parede e de porta. Todos os acabamentos de paredes (internas e externas) serão em verniz sobre a alvenaria, sem pintura, valorizando a textura do bloco de concreto. Portas dos banheiros e quartos abrirão diretamente para a sala eliminando a área de corredor. As janelas terão formato vertical, com peitoril baixo e o topo alinhado com a viga, eliminando a necessidade de vergas. Todas as instalações hidráulicas passarão por shafts, evitando quebra de alvenaria e facilitando a manutenção. Todas estas soluções arquitetônicas foram direcionadas no sentido de reduzir os custos da construção, mas sem reduzir área construída, privilegiando o aumento do tamanho do apartamento ao invés de privilegiar acabamentos. Enquanto com o mesmo valor médio a prefeitura constrói 42m², no Santa Rosa 2 a média dos apartamentos chega a 48m2.

2- PEDREIRA PRADO LOPES

O Brasil apresenta um enorme desafio no déficit habitacional com mais de 80% dos 187 milhões de habitantes vivendo nas cidades, sendo trinta milhões em condições de extrema precariedade. Em Belo Horizonte 600 mil pessoas, 25% da população, vivem nas 142 favelas da cidade. Para enfrentar este problema é preciso ações que garantam o direito à cidade e o acesso aos serviços urbanos públicos, criando condições de vida saudáveis e dignas e revertendo as condições de exclusão e miséria.

Desde 2000 a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte promove um processo de urbanização das favelas chamado “Vila Viva”. O programa consiste em ações de urbanização, saneamento, remoção de famílias de áreas de risco, reestruturação do sistema viário, implantação de parques e equipamentos públicos (centros de saúde, centros comunitários, escolas, etc), além de ações de educação e criação de alternativas de geração de trabalho e renda.

As obras de remoção de famílias de áreas de risco e implantação das ruas provocam remoção de várias residências. As famílias desalojadas recebem indenização ou são re-instaladas em conjuntos habitacionais. Surgem, com isso, diversos espaços remanescentes conformados pelos limites das vias e das casas que permanecem.

Neste contexto, a atuação da Horizontes consiste no tratamento e qualificação destas áreas, transformando-as em espaços de uso público. Experiências anteriores demonstram que espaços em favelas direcionadas para descanso e contemplação acabam sendo dominados por traficantes. A solução encontrada é criar espaços públicos adaptados para o laser ativo e esportes, e adoção do conceito de ‘espaços defensáveis’, onde a visibilidade total contribui para a sensação de segurança. Estas medidas contribuem para apropriação dos espaços pela comunidade que é fundamental para a preservação do lugar pois, do contrário, o espaço acabaria sendo ocupado, também, por moradias irregulares.

Como estratégia de projeto a equipe desenvolveu um conjunto ajustável de soluções que podem ser aplicadas em diversas situações. Os pisos são desenhados com vários tipos de pavimento, permeáveis e semi-permeáveis, buscando aumentar a absorção natural da água, essencial em uma cidade afetada por graves problemas de inundação. Nas áreas permeáveis utiliza-se vegetação nativa e árvores de alto porte que criam sombreamento, contribuindo para melhoria do micro-clima e da ambiência urbana. Os mobiliários urbanos levam em conta a apropriação por usos não convencionais. Os detalhes são em materiais de alta resistência e com menor número possível de elementos para evitar vandalismo. Pórticos de concreto cobertos por plantas servem de gol para futebol e cesta de basquete. Muros de contenção funcionam como paredes de escalada e suporte para arte do grafite e manifestação da cultura ‘hip-hop’. A topografia é modelada para conformar e organizar os espaços através de superfícies planas e inclinadas, gerando pátios e taludes que podem funcionar como bancos, arquibancadas, rampas de skate, escorregadores infantis, arenas para roda de capoeira, anfiteatros etc.

O desafio que enfrentamos é influir positivamente na realidade violenta das favelas. Espera-se que cada metro quadrado revertido em área pública vegetada possa fazer diferença nos problemas das enchentes urbanas e, principalmente, na vida das crianças ainda invisíveis atrás dos muros, antes que eles saiam para a visibilidade sem volta das ruas. A estratégia de atuação desenvolvida pela Horizontes e seus parceiros contribuiu para elevar o atual discurso sobre as obras públicas, por desafiar as formas tradicionais de construção com uma abordagem rigorosa, embora experimental.

3- RUA do BICÃO

A favela de Santa Lúcia está localizada no centro-sul de Belo Horizonte, um bairro muito denso com cerca de 10 mil pessoas em uma colina vizinha a alguns dos endereços mais caros da cidade. Como parte do programa Vila Viva executado pelo município, a favela Santa Lucia terá sua infraestrutura melhorada. Isso implica transformar vários becos em ruas , construção de rede de esgoto sob as novas vias e praças públicas onde o espaço estiver disponível.

Uma dessas intervenções é a extensão da rua principal da favela (Rua Principal) e a criação de uma nova via chamada Bicão . A nova rua vai ligar a barragem de Santa Lucia, na parte inferior do morro à Avenida Nossa Senhora do Carmo (principal acesso sul de conexão para o Rio de Janeiro) centenas de metros acima. O plano desenvolvido pelo município dedica a parte mais próxima à Avenida Nossa Senhora do Carmo para novas unidades residenciais e comerciais que devem abrigar os moradores a serem relocados pelas obras públicas (ruas / esgoto / praças), ou porque vivem áreas com alto risco de deslizamentos de terra.

A solução desenvolvida pela Horizontes Arquitetura é baseada em estruturas de uso misto com residência e de varejo. O uso comercial do piso térreo é uma inovação deste projeto, nunca antes utilizado por projetos da Urbel-PBH nas favelas de Belo Horizonte. Apoiado pela literatura mais progressista em habitação social em todo o mundo, as estruturas de uso misto oferecem aos moradores flexibilidade para viver em estreita proximidade com o trabalho (uma das atrações de qualquer favela é a localização central), além de facilitar o acesso a bens e serviços para todos outros moradores. Na realidade, o uso misto já acontece informalmente em todas as favelas e esta possibilidade deveria ter sido abraçada pelo poder público há muito tempo. A nova edificação da Rua do Bicão certamente irá funcionar como um projeto piloto e permitir uma avaliação rigorosa da operação integrada desses usos em futuras intervenções em favelas brasileiras.

A solução formal usou caixas escalonadas aproveitando a inclinação do terreno (até 15m), a criação de edifícios com altura variável (máximo de 5 andares) e terraços privados. Ao longo da Rua do Bicão (com mais tráfego) serão colocadas as principais unidades de varejo. A parte mais íngreme da Rua do Bicão voltado para a área de conservação serão ocupados por edifícios institucionais. Terraços públicos com vista a área de conservação deverão incentivar tal conexão visual enquanto as escadas proporcionam a necessária acessibilidade. As áreas institucionais estão previstas para várias atividades comunitárias tais como salas de reuniões, salas de aula, creches, delegacia, etc. A ocupação da Rua do Bicão com programa público também ajuda na segurança pública, proporcionando a vitalidade necessária para a rua, além de servir como fonte de renda.

Com a economia informal estimada em 18% do total do PIB brasileiro, chegando até a 40% para as áreas de vilas e favelas isso é ainda mais importante. O projeto habitacional do Bicão inclui dois andares de espaço comercial, um ao nível da rua onde o varejo pode funcionar melhor e para tanto foi projetada uma ampla calçada que suporta todo tipos de eventos e atividades públicas. Um andar acima, ligado à com a comunidade existente no outro lado, os espaços para a trabalho e serviços foram localizados.

Em todas as construções a escada foi empurrada para o lado de forma a otimizar a utilização do espaço, fornecendo um volume linear que é ideal para o local terreno estreito. O volume da escada é tão aberto quanto possível para evitar o problema de "controle" em áreas de circulação , que é a maior fonte de conflito entre os moradores de edifícios multifamiliares para baixa renda. Além disso, escadarias e corredores abertos permitem ventilação natural e protegem as janelas da luz solar direta, melhorando os níveis de conforto no interior das unidades. Outra novidade desta tipologia são as vagas de estacionamento para veículos e motos em todos os edifícios, em resposta à demanda da população.

Os edifícios na Rua do Bicão representam um passo significativo em termos de tipologias habitacionais para o programa Vila Viva, sem dúvida superior ao projeto padrão que foi implementado antes e cujos problemas e limitações que nós estudamos em detalhes para não repetir os mesmos erros. Enquanto a acessibilidade e saneamento têm sido o carro-chefe do projeto Vila Viva até agora, os prédios na Rua do Bicão representam a possibilidade de uma melhoria significativa também nas tipologias residenciais.

4- O poder do desenho participativo

Não é difícil defender a necessidade de planejamento e detalhamento na gestão dos espaços urbanos. Basta andar por qualquer rua de qualquer cidade brasileira e perceber que a calçada reformada no ano passado já foi cortada para reparos numa rede qualquer. A cicatriz resultante é visível no cimento mal acabado do remendo, e o estrago maior é nas contas públicas que gasta o mesmo recurso diversas vezes sem alcançar o objetivo maior que é de termos uma cidade melhor. E o diagnóstico, banal de tão simples, é que falta projeto.

O projeto, simples representação bi-dimensional da realidade (agora facilmente executável também em três dimensões em ambiente virtual) serve justamente para antecipar problemas. Os milhões de brasileiros que trabalham em algum setor da indústria da construção sabem que depois de construir algo (seja uma casa, uma calçada ou um banco de praça) é fácil construir outro exemplar. A construção funcionou assim por milhares de anos até que fosse inventado o desenho em perspectiva na Itália do século 15 e a geometria descritiva no século 18. O que estas duas ferramentas de representação criaram foi a possibilidade de se manipular o espaço tri-dimensional e antecipar resultados usando apenas papel (hoje em dia basta energia na forma de clicks, bits e pixels). O projeto se tornou uma forma de se construir melhor, de se evitar erros, de se prever com detalhes o resultado de qualquer intervenção. Quanto melhor o projeto, não apenas no sentido de representação final mas de estudo, investigação, invenção, melhor o resultado.

Também não é difícil defender a necessidade de um projeto melhor. É fácil olhar para a Europa e os EUA comparar suas praças e edifícios com os nossos. Menos fácil é olhar para a Colômbia, Uruguai ou Costa Rica, países com menos recursos que o Brasil e com uma qualidade de construção visivelmente melhor. O segredo nos três casos acima reside no investimento em planejamento e projeto. Os três países latino-americanos estão conseguindo construir cidades de qualidade europeia com recursos muito mais limitados, com criatividade e rigor no planejamento e no projeto das obras.

Um espaço bem projetado e bem construído tem várias vantagens. A mais óbvia delas é não precisar de reforma tão cedo e cumprir efetivamente as funções para as quais foi pensado. Outra vantagem é melhorar a auto-estima da população. O caso de Medellin na Colômbia é emblemático, assim como as diversas obras de melhoria em favelas brasileiras. Um espaço público bem projetado tem inclusive impacto na saúde ao se estimular a prática de atividade física e se evitar os problemas causados pelo mofo, águas paradas, melhoria da acessibilidade etc.... Outra intercessão importante entre um espaço público bem projetado e um tema urgente diz respeito a segurança pública: uma praça sempre bem utilizada é muito mais segura que uma praça semi-abandonada, o mesmo valendo para áreas comuns de edifícios residenciais.

Tudo isto não implica necessariamente num orçamento maior. A metáfora que resume o custo do desenho urbano é pensar o projeto como a compra de um carro usado. Como todos nós sabemos, comprar um carro usado simplesmente pelo menor preço é um convite a dor de cabeça por causa da elevada complexidade. É preciso ver a história anterior do escritório, avaliar a capacidade de cumprir prazos e orçamentos, valorizar a experiência da equipe sua dedicação a projetos de espaços públicos e habitação coletiva. Nem todo metro quadrado de grama é igual, nem todo metro cúbico de concreto é igual. É preciso analisar muito bem cada caso e projetar cada espaço para corresponder a sua função social e sua função ambiental. Desenho qualquer um faz por qualquer preço mas isso implica necessariamente problemas de todo tipo desde a execução da obra até a manutenção futura dos espaços.

Um bom projeto é o primeiro passo para garantir uma obra sem percalços e o efetivo uso pela população. Um bom projeto é o primeiro passo para uma cidade mais sustentável em todas as suas esferas: ambiental, social e econômica.